11 de fevereiro de 2012

Os dois usos da retórica

«A vulnerabilidade da retórica está patente: pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar.» — M. B. Pereira

A retórica branca persuade.
O bom uso da retórica, ou retórica branca, consiste numa argumentação com a intenção de persuadir o interlocutor a aderir a uma dada tese, ou seja, de o influenciar, sem, contudo, o iludir a respeito desta ou prejudicar. Para que tal situação se verifique, é essencial que o discurso seja caracterizado pela predominância do logos sobre o pathos e o ethos (só assim se garantirá que a concordância ou discordância não advém somente da chantagem emocional ou devido à reputação do discursante), embora as últimas estratégias de persuasão também devam estar presentes, e que exista respeito e fidelidade ao objectivo do diálogo (um princípio ético denominado princípio da cooperação que exige que as intervenções sobre assuntos distinto sejam postas de parte) de ambas as partes, isto é, que haja um acordo tácito de cooperação mútua entre orador e interlocutor. Durante o debate, deverá observar-se o cumprimento do princípio da livre expressão, segundo o qual todos os participantes têm o direito de dar a sua opinião, sem, contudo, permitir-se que estes o façam sem fundamentar as suas afirmações: de facto, de acordo com o princípio da prova, é imperativo que não se façam asserções sem justificação, que são, aliás, interditas de acordo com o princípio da qualidade. A argumentação de ambos os lados deve ser clara (princípio do modo) e coerente (pois, de acordo com o princípio da coerência, apesar do orador dever manter alguma abertura mental às opiniões dos outros por uma questão de humildade e modéstia, é essencial que este se mostre crítico das suas ideias e fiel ao ponto de vista que defende, evitando afirmações contraditórias), pressupondo um conhecimento da situação problemática em questão e das implicações positivas e negativas das várias soluções (os discursantes apresentar tantas informações como as que serão úteis para o debate e reflexão, de acordo com o princípio da quantidade). Numa tentativa de manter as boas relações, deverá proibida, a ambas as partes, segundo o princípio da precisão, a distorção das afirmações dos adversários.
As argumentações filosóficas, são sempre caracterizadas pelo uso ético (ou bom uso) da retórica, que é orientado pela busca da verdade e obedece aos supramencionados princípios de boa-fé.

A retórica negra manipula.
Quando o orador permite que os seus interesses pessoais se sobreponham à busca da verdade, procura ter um efeito mais poderoso no auditório e, nesta situação, a persuasão deste dá lugar à sua manipulação: o discursante faz um mau uso da retórica, servindo-se desta com a intenção de conduzir à adesão acrítica e involuntária dos interlocutores à sua tese. Contrariamente à persuasão, a manipulação, ignorando as capacidades racionais do auditório, pressupõe uma predominância do pathos e ethos no discurso que garante ao orador exercer um papel de domínio emocional sobre o público que permitirá forçá-lo a converter-se aos seus ideais, apresentados como verdade incontornáveis, apesar da carência de argumentos lógicos que os suportem. Os pontos de vista contrários são, muitas vezes, deturpados ou ridicularizados.
O discurso publicitário seduz pela imagem e pelo pathos e que se serve do slogan (uma expressão ou frase curta facilmente memorizável e com um ritmo agradável que as pessoas acabam por, devido à sobrexposição às camapnhas publicitárias, interiorizar e, muitas vezes, tomar como uma verdade do senso comum), sendo, por isso, um exemplo de retórica negra. O discurso político, que, em campanhas eleitorais se serve da publicidade, também é, frequentemente, realizado de forma pouco ética, quando os oradores procuram credibilizar a sua mensagem independentemente dos meios e, por isso, deturpam e ridicularizam os pontos de vista dos seus adversários ou mesmo os próprios candidatos, silenciando-os.
Todavia, a retórica negra não pode sempre ser atribuída somente o orador. De facto, o auditório também pode facilitar o carácter manipulativo da argumentação, quando avalia a tese exposta em função de critérios irrelevantes para a sua validade (aspecto físico do orador, etc.), quando a sua ignorância em relação ao tema não lhe permite exercer um papel crítico em relação aos pontos de vista defendidos ou quando, numa atitude de laxismo, se recusa a ponderar sobre o assunto e retirar conclusões sobre o que ouve. 

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